O retrato de uma época deliciosamente construído por Raquel
Lisboa. Anterior à cultura pop que domina
a escrita popular, porém com elementos lingüísticos requintados e ironias
eloqüentes, Mulher de honra é uma
história que flui como nenhum outro livro de estreia eu já tenha lido. É
simples, porém envolvente; contido, e ao mesmo tempo ousado; denso, porém
fluido. E o melhor, é real. Um romance de estreia com um toque de clássico, e
com um gosto bem familiar.
por Leo Siva - leo_silva180@hotmail.com
Descrever o que sinto agora que terminei de ler o maravilhoso
romance de estreia de Raquel Lisboa é impossível. Digo isso com a propriedade
de que poucos livros foram por mim lidos num tempo tão curto (o período de um
dia), e levando em conta a dificuldade de se ler algo na tela do computador
(sou adepto inveterado dos livros impressos), deve-se dar o devido crédito à
autora. Raquel tem um texto deslumbrante, que preenche as páginas de forma
inteligente e divertida. Sua história é completamente original, e os caminhos
que percorre ao tecê-la nos fazem sentir o desejo pela leitura, pelos
personagens e por suas passagens interessantes. Ela capta o melhor do
cotidiano, sem ser nem um pouco prolixa ou enjoativa.
Os personagens do livro, e não vou me deter muito neles para
não estragar as surpresas do futuro leitor, são verossímeis e interessantes.
Jamais imaginaria para um romance meu um vilão tão malvado quando Fernando (e
olha que meus romances estão sempre cheios de vilões), e me pego imaginando no
quanto Helena sofrera nas mãos dele, e jamais aceitara seu destino sem pensar
em uma forma de dobrá-lo. E dobrou. Numa parte muito bem construída do texto,
Raquel escreve: “Somente a pequena Heleninha sorria inocentemente, pendurada no
pescoço do pai, tentando alcançar o armário.” É um arquétipo consistente de
como se colocar lado a lado inocência infantil e as decisões da vida adulta –
pai e filha, morte e vida, alegria e felicidade. As passagens prosseguem
brilhantemente: “se fosse homem com certeza teria um bom futuro.” Aqui se
percebe todo o orgulho (e preconceito) de pessoas que tem consciência de suas
limitações enquanto homens e mulheres, mas ao mesmo tempo prostram-se à suas
criações. A mãe de Helena se sobrepõem ao pai em racionalidade ao acreditar que
filha possa ser outra coisa na vida que não simplesmente uma mulher. “Sr. Oscar, recostado em seu carro de luxo, acompanhava
a mudança do irmão com um olhar de desapontamento. Na verdade, queria que ele
fosse expulso dali, pelo novo proprietário.” Aqui, percebe-se a sutileza com a
qual Raquel caracteriza o personagem Oscar, de uma forma que é impossível não
perceber o quanto ele é inescrupuloso e hipócrita. É um recurso literário
presente em muitos autores contemporâneos (e marca registrada de grandes
clássicos da literatura brasileira), uma tragédia maquiada com ironia. Enxugado,
o texto passa a mensagem da forma mais clara possível. Por fim, uma frase de
efeito, que merece destaque: “Era um não parecido com sim”. A tradução mais
simples da confusão mental na qual a personagem mergulha.
Raquel é contundente com a construção de seus personagens.
Helena é forte e decidida; Cadu é um homem extremamente amável, que já sofreu
mas felizmente reencontrou o amor; Fernando é um canalha obsessivo, chefe de quadrilha
e uma pessoa capaz de tudo para conseguir o que quer. O cenário no qual a
história se constrói abre espaço para histórias menores, como a morte de
Juliana. A história de Ana, melhor amiga de Helena, tem praticamente o mesmo
espaço da própria história de Helena, e é tão interessante quanto. Tudo parece
se completar ao redor do eixo central, e os conflitos são fechados com maestria
pela autora. Meu coração se encheu de tristeza quando um dos personagens partiu sem ter a chance de se despedir de quem mais amou. Não há explicação para o que acontece
com a gente nestes momentos.
Obviamente, algumas passagens poderiam ser melhor exploradas,
como o embate final, que é muito rápido e decepciona um pouco. De resto,
descrições de cenários e alguns diálogos podem ser melhores. Não há mais o que
dizer. Raquel Lisboa escreveu um romance de estreia que merece ser lido por
todos os amantes de literatura contemporânea. É interessante, retrata a ditadura
com fatos verossímeis e, acima de tudo, mostra a luta de uma mulher que teve
sua vida destruída por um bandido. Como escreveu Tagore, “as palavras vão ao
coração quando saem do coração”.
Helena e Raquel são, verdadeiramente, mulheres de honra.
Classificação indicativa: Livre para todas as idades - violência moderadamente descrita.
Estrelas ganhas: 5/5 (cinco estrelas de cinco estrelas)
Troféus: Originalidade/ Enredo/Personagens/Desenvolvimento.
Tipo de livro analisado: e-book
Especificidades: Baixar livro gratuito