Quem disse que devo escrever somente para mim?
Coletiva Observatório Clube de Autores
Quando começamos a escrever
costumamos inventar coisas como, por exemplo, que escrevemos tão somente por
escrever, por puro prazer, para nós mesmos e, se um dia publicarmos, quem sabe,
então será por pura sorte. Entende-se, neste caso, a escrita como fim em si
mesma, sem outro objetivo que não nos entreter. Apesar de concordar que o ato
de escrever deve ser espontâneo, prazeroso, subjetivo e individual, não posso
imaginar um texto que só sirva para mim, que não objetive alcançar outras
pessoas, que não ultrapasse a barreira de mim mesmo e mesmo assim seja
publicado. Enfim, considerando que, em primeiro plano, escrevo para mim, em
segundo escrevo para meu leitor, ou correria o risco de ser infiel comigo mesmo
ao oferecer algo que jamais alcançará o outro.
Esse negócio de que escrevo
somente para mim é besteira repetida como se fosse regra, e não exceção –
certamente escrevemos algumas coisas somente para nós, mas tais coisas não
devem ser publicadas.
Vejamos algumas questões, para
começo de conversa:
1 – Não é possível agradar a todo
mundo. Nem Jesus conseguiu, imagine um escritor.
2 – Mesmo sem tentar agradar a
todos, obviamente espero agradar alguém (ou então para que escrevo?). Se
ninguém gostar do meu livro, se ninguém se identificar com ele, quem o
comprará? Quem comprará o próximo livro? Aqui cabe uma observação: tem gente
que acha que uma fama ruim é melhor do que nenhuma.
3 – Escrever somente para si é
como conversar consigo mesmo, sem nunca dizer uma palavra para ninguém (é
inútil, chato e ridículo).
4 – Se escrevo somente para mim
corro o risco de dizer somente o que quero ouvir, o que inviabiliza o diálogo.
5 – Ninguém gosta de crítica,
muito menos escritores. Mas a crítica serve para nos colocar alguns limites,
sem os quais terminaremos por escrever para as paredes.
6 – Finalmente, escrever para si
mesmo é diferente de limitar-se. Posso escrever para mim porque assim serei
mais verdadeiro, mas, o mais importante, É ESCREVER SOBRE O QUE EU GOSTO. Ou
seja, não é o outro que diz sobre o que devo escrever, mas ele é parte da
engrenagem.
Se escrevo somente para mim, para
que publicar então? E se publico é porque espero que alguém goste do que eu escrevo,
ou não publicaria. Escrever somente para mim é, ao mesmo tempo, colocar-me em
primeiro, segundo, terceiro e todos os próximos lugares que porventura venham. Quando
escrevo penso que alguém irá gostar, por isso escrevo – ou seja, eu crio meu
leitor, embora não possa prever sua relação com meu livro. Não acredito, porém,
que eu deva estar à mercê do outro. Eu sou o primeiro a gostar da minha
história (se não, por que a escreveria?). Eu sei o que é melhor e o que é certo
para a história que procuro contar, mas, se não pensar logicamente em meu
leitor, nem uma única vez, como posso conquistá-lo? Tudo é ao deus dará? A
escrita é espontânea a ponto de desconsiderar a inteligência de quem lê? De
ignorá-lo? Afinal, se escrevo para mim, então POR QUE OUTROS LERÃO O QUE
ESCREVO?
A resposta para todas as
perguntas é não. Obviamente não. Se a escrita é minha, parte de mim deve manter
uma ligação comigo, para ser original e viva eu preciso ser sincero comigo
mesmo – mas isso não significa que eu precise romper com o mundo e com todos
para escrever. Livros são editados, são revisados, são reescritos. Uma opinião
de um colega, uma correção, enfim, considerar o outro enquanto escrevo também
faz parte do processo criativo (workshops e cursos não servem para nada então?).
Ainda mais se quisermos alcançar o mercado, aí o outro é mais importante ainda.
Afinal, quem compra meus livros? Meus leitores. Então, obviamente, minha
escrita não é tão neutra assim, pois ela precisa do outro, e eu preciso do
dinheiro de quem adquire um livro meu.
Por tudo isso existem técnicas de
escrita, padrões, modus operandi
literário, se me permitem uma adaptação do termo. Essa história de que só eu importo
é a maior mentira de todo o universo literário, e que fazemos o desserviço de
manter em nós mesmos. Eu posso, sim, sonhar em ser um autor reconhecido, em
escrever best-sellers, em ser lido e
amado. Posso gostar de críticas positivas, e chorar com as negativas. Posso me
reinventar, assim como posso reinventar a escrita. Eu posso, eu quero e eu devo
ser um escritor ambicioso. Não é pecado.
Sei que o tema parece complexo,
mas na verdade é muito simples: conte a história que você gostaria de ouvir, e
então será sincero e encherá páginas e páginas – você em primeiro lugar, mas
sem esquecer seu leitor. Não quero nem tenho o poder de agradar a todos, mas
quero, sim, receber críticas positivas, quero que gostem do meu livro, afinal,
por que o escreveria se não fosse assim? Parece que é errado desejar ser um
grande escritor, vender muitos livros e assinar um contrato de seis dígitos. O
que cria um paradoxo, pois nunca se viveu um tempo tão capitalista como o
nosso. Acredito que essa história de que “escrevo para mim mesmo” é uma forma
de as pessoas se protegerem de críticas negativas, um estratagema que as
protege dos outros. “Se eu der certo no mercado, ótimo, valeu a pena. Se não
der, é porque eu nunca tentei mesmo (uma vez que escrevia para mim).” Escritor
iniciante (e alguns pseudo-intelectuais também) são raposas olhando uvas:
desdenham porque não podem obtê-las.
Eu não escrevo somente para mim.
Quero que meu leitor sinta a emoção que sinto, que chore, que vibre e que se
encante como eu me encantei ao escrever. Quero que a história que eu escrevo
tenha um significado (não é apenas desabafar, passar o tempo, matar árvores à toa).
Se fosse somente para mim eu preferiria pensar em detrimento de escrever,
economizando tempo, energia e papel. Mas sei que não é. A partir do momento em
que a palavra é lançada, cria-se uma dependência mútua, quase um pacto entre
escritor e leitor: não vou enganá-lo com páginas e páginas de mentiras, ou você
me abandonará ao final e nunca mais voltará (quem compra um segundo livro de um
escritor que errou no primeiro?). Ninguém. Agora, se o objetivo é somente
escrever, sem se preocupar se alguém lê ou não, então a história é outra. Mas
cuidado. Desabafos são chatos, ninguém quer lê-los, assim como ninguém quer ser
criticado (embora finjamos concordar que as críticas não nos fazem mal).
Então, antes de repetir frases
feitas como um papagaio de pirata, pare e pense um pouco. Reflita. Questione. Quem
escreve uma música quer ser um compositor reconhecido. Quem pinta um quadro
também quer reconhecimento. Eu escrevo para galgar o difícil caminho da publicação
no Brasil, pois acredito no valor do meu trabalho e no meu talento.
E você, para que escreve?
Sempre à disposição,
Observatório Clube de Autores